o sonho de Amarna




Mais do que qualquer outra, a religião egípcia foi, desde tempos muito recuados, dominada pelo culto solar. Os deuses de atributos solares são dominantes no panteão egípcio (Atum, Horus, Ra) e numerosos outros são-lhe associados, como Chnum-Ra, Min-Ra e Amon-Ra, por exemplo.





A par dos deuses da vegetação e da fertilidade, que têm um papel fundamental na sobrevivência do Egipto, os deuses solares representam a mística da soberania do faraó, que era pessoalmente identificado com o deus-sol. O sol, dominante e solitário no céu, inconstante e cíclico, dador de vida e luz mas também destruidor. O sol fértil das searas maduras e o sol abrasador do deserto. Imperscrutável. Inalcançável mas próximo. Como está escrito num dos hinos a Ra do Império Novo: "(...) tu estás elevado acima de todo o país. / Os teus raios rodeiam as terras / até aos limites da criação. / Tu és Rè; tu submeteste os povos até às suas fronteiras. / Tu os domas para teu filho [o faraó], teu bem-amado. / Tu estás distante, mas teus raios estão sobre a Terra; / estás à vista de todos, mas ninguém percebe a tua marcha." [citado por RAMOS, J. A. - História e Cultura pré-clássica II - textos de apoio, Fac. de Letras de Lisboa, policop.]



O sol é o garante da ordem cósmica, da mesma forma que o faraó é o garante da ordem na terra. Como diz J. N. Carreira, "Sem o domínio do Sol, ajudado pela deusa Maat [a deusa da ordem e da justiça], o mundo ruiria. Ruiria, igualmente, sem a presença do faraonato na terra, garante da ordem e realizador da maat. Se a realidade se afastava da teoria, como na Época Baixa, tanto mais necessário se tornava vincar abstractamente a figura e a função do faraó. A instituição do faraonato divino é o lugar geométrico da convergência das esferas antropológica e cosmológica. Desmoronada a ordem social, a terra deixa de reproduzir o céu. O curso solar já não tem correspondência no bem-estar do país."



Assim, no fim do Segundo Período Intermediário (entre os séculos XVII e XVI a.c.), os egípcios logram por fim expulsar os invasores Hicsos e restaurar a unidade territorial e o estado faraónico, inaugurando o período conhecido por Império Novo. Assistimos não só à pacificação do país mas também, e pela primeira vez na sua história, à sua ascensão ao estatuto de potência regional. De facto, as invasões de que fora alvo ensinaram ao Egipto que teria de buscar a segurança muito para lá das suas fronteiras. Tropas egípcias conquistam a Palestina e a Síria e os faraós tornam-se jogadores activos - e muitas vezes determinantes - do xadrez político e diplomático do próximo oriente.



Todas as perturbações e agitação política reconduzem à necessidade do fortalecimento do poder real e, consequentemente da sua afirmação ideológico-religiosa: o culto do deus sol, Amon-Ra. O aumento da importância do culto solar, a par das influências vindas de oriente, vieram preparar a grande ruptura filosofico-religiosa do chamado período de Amarna.



Assim, em 1350 a.c., Amenófis IV sucede a seu pai Amenófis III. O jovem faraó mostra grande interesse pelos estudos filosóficos e teológicos e menor aptidão guerreira. Aliás, durante este período veremos vários recuos do poder e influência egípcios no próximo oriente. A partir do sexto ano do seu reinado, assistimos a um conjunto de mudanças radicais que virão abalar todo o país.



O novo faraó impõe o culto de um deus único: Aton, o disco solar; e altera o seu próprio nome para Akhenaton (algo como: "Aton está contente"). Mas vai muito mais longe: manda encerrar os templos de Amon e apagar os seus nomes dos antigos monumentos, desferindo um profundo golpe no poderoso clero de Amon que as circunstâncias políticas tinham, até aí beneficiado. Além disto, decide abandonar a antiga cidade de Tebas e construir uma nova capital: Akhetaton ("o horizonte de Aton"), a que chamamos modernamente, Tell el-Amarna.



Tratou-se de uma ruptura sem precedentes. De um panteão que apesar de hierarquizado era fluído, aberto, com um sem número de divindades que se fundiam e entrecruzavam passamos para o culto de um único deus. Embora, como vimos, de há muito tempo que se vinha afirmando a supremacia do deus solar, as mentalidades não estavam preparadas para este salto e o Egipto entra em verdadeiro choque cultural. Talvez por isso, logo após a sua morte, o seu sucessor Tutankhamon, manda arrasar Amarna, destruir os templos de Aton e reinstitui as antigas divindades.




Aton, ao contrário dos antigos deuses que assumiam formas simbólicas semi-humanas, semi-animais, era representado apenas como um disco solar. Esta imagem mais simples corresponde à interpretação de Aton como o primeiro princípio. "A descoberta, a penetração cognitiva que revolucionou a imagem egípcia do mundo quase ao jeito de uma viragem coperniciana consistiu precisamente nessa inesgotável riqueza de fenómenos que podia ligar-se ao movimento e irradiação do sol e foi condensada pela nova teologia solar numa frase, a saber, que toda a vida, todo o ser e toda a realidade são pura e simplesmente uma criação do sol, criação continua de novo realizada em cada dia. Sem deixar o horizonte teológico, a especulação de Amarna é, antes de mais, filosofia natural.", nas palavras de J. Assman [citado por Carreira, J. N. - Filosofia Antes dos Gregos, pg 80]



Deixa de haver uma multiplicidade de princípios e de criadores do universo. Aton é o único princípio actuante e eficaz no cosmos. Mais do que negar os outros deuses, o que se faz é afirmar a sua absoluta dependência perante o sol. Como é dito num dos hinos a Aton: "porque tu és o Disco do dia colocado em cima do universo." [RAMOS, J. A.; op. cit.]



A nova religião, demasiado filosófica para o gosto egípcio, nunca se torna popular. A noção de um deus transcendente, princípio único da realidade, deixava de fora os problemas da piedade pessoal, da morte e da vida no além, ainda tão marcados na mentalidade egípcia.



Por outro lado, Akhenaton continua o processo de afirmação da prerrogativa divina do poder real e na identificação entre o faraó e deus. Assim, o faraó é o filho de Aton e o seu único profeta. A família real surge divinizada nas representações oficiais.





Também no campo da arte Akhenaton vai causar profundas mudanças. Desde logo, ao proibir a representação dos deuses tradicionais e impor a representação de Aton apenas como um disco solar, tira aos artistas egípcios o essencial dos seus temas tradicionais. Assim, a arte do período de Amarna vira-se para a representação de cenas da vida familiar do rei, nalgumas delas com uma sensibilidade tocante, pela forma como transmitem as demonstrações de afecto de Akhenaten para a sua esposa Neferiti e para as suas filhas, sempre sob os raios benfazejos de Aton, em contraste com as antigas poses frias e hieráticas dos anteriores faraós.



Por outro lado, as próprias características físicas dos representados alteram-se. Ostentam uma face alongada e lábios grossos, figuras um pouco distorcidas, com ventres e seios salientes. Ainda, o naturalismo das expressões é marcante, como no famoso busto de Nefertiti, que foi encontrado na oficina do escultor da corte em Amarna. A intensa actividade construtiva do rei permitiu que os artistas da nova era pudessem dar largas à sua criatividade, criando uma nova linguagem artística que vai sobreviver à destruição causada pelos que pretenderam apagar da história do Egipto a memória do faraó herético e deixar uma marca perene na arte de períodos posteriores.



Apesar de incompreendida pelo seu tempo, a mensagem de Akhenaton atravessou os séculos e lançou as sementes da compreensão da divindade como princípio universal único, criador e regenerador permanente do cosmos: A visão do homem que abraça os seus filhos aos, sob a terna protecção dos raios de Aton.

Escaravelho, símbolo egipcio da reencarnação




O escaravelho, inseto sagrado para os egípcios, que nos remete a essa imagem cíclica de imortalidade. Associado ao verbo kheter, a significar "vir à existência", corresponde à imagem do sol que renasce de si mesmo. O escaravelho tem esse caráter, pois passa o dia inteiro empurrando entre as patas uma bolinha feita de suas fezes enquanto o sol está cruzando os céus em direção ao ocaso. Com a chegada da noite ele a enterra, e a fêmea vem colocar aí seus ovos. Ao amanhecer, um jovem escaravelho nasce do excremento para de novo acompanhar o astro rei em seu caminho. Tal qual o sol que ressurge das sombras da noite, o escaravelho renasce da própria decomposição. O velho escaravelho morre, mas do ovo que fecundou sai outro escaravelho, como a alma se escapa da múmia e sobe para o céu. Assim, o insecto era, para os egípcios, o símbolo da vida que se renova eternamente a partir de si mesma.

O coração está sempre relacionado com kheter (Kheper), o escaravelho, pois é o que tem que suceder, é o ego pessoal de cada um de nós, que deve se tornar um servidor ou um canal de vontades superioras. Entre as camadas de ataduras eram colocados vários amuletos.Alguns tinham forma de escaravelho, de olhos ou de pilares, e eram autenticas jóias.Destinavam-se a protegero defunto contra os perigos que o esperavam no outro mundo.UM escaravelho, normalmente era colocado no lugar do coração.Na sua face posterior, tinha gravado um capítulo do Livro dos mortos, que fazia referência a psicostasia (nas religiões dos antigos egípcios e gregos, julgamento da alma de um morto, que era colocada em uma balança para se verificar se estava pesada de pecados)

.

Nele, o defunto pedia a seu coração que não o contradissesse e que não o desmentisse diante dos Deuses: “Oh, meu coração, meu coração herediatário, te necessito para minhas transformações (...) não te afastes de mim, perante o guardião das balanças, Tu és a minha personalidade dentro do meu peito, companheiro divino que vela meu corpo” (Livro dos Mortos, Cap LXIV). Os escaravelhos destinados aos mortos têm sua face inferior tratada com o maior realismo. Geralmente são escaravelhos - corações, amuletos de pedra dura que eram depositados no lugar do coração, no peito da múmia. Tais amuletos foram encontrados também no tórax de certos animais sagrados.

O Escaravelho foi considerado um símbolo da perfeição pois é ele é constítuido siomultaneamente por masculino e feminino, não precisando de um par para procriar, uma vez que encerra em si os dos géneros sexuais.

Aquele que em vida trouxesse consigo uma imagem do escaravelho garantia, de certa forma, a persistência no ser e aquele que levasse essa imagem para a tumba tinha certeza de renascer para a vida. O escaravelho era, assim, o amuleto preferido de vivos e mortos.