Mundos – Parte Final
A criação de um anjo no nosso mundo, e a imediata relegação deste anjo para outro mundo não é, em si mesma, um fenômeno sobrenatural, em absoluto; é uma parte de uma esfera de ação da experiência, uma parte integrante da vida, que pode até parecer ordinária e lugar-comum, devido à sua origem tradicional no sistema das mitzvot, ou a ordem da santidade.
Quando estamos no ato de criar o anjo, não temos percepção do anjo que está sendo criado, e este ato parece ser uma parte da estrutura total do mundo prático material onde vivemos.
De modo similar, o anjo que nos é enviado de outro mundo nem sempre tem um valor ou impacto além das leis normais da natureza física.
De fato, costuma acontecer que o anjo se revele exatamente na natureza, no mundo ordinário de lugar-comum da causalidade, e somente uma introspecção ou adivinhação profética pode mostrar quando, e em que medida, ele é obra de forças superiores. Pois o homem, exatamente pela sua natureza, está ligado ao sistema dos mundos superiores, apesar de — habitualmente — este sistema não lhe ser revelado e conhecido.
Em consequência, o sistema dos mundos superiores lhe parece ser natural, como o total de sua existência de dois lados, incluindo a matéria e o espírito, lhe parece evidente.
O homem não se pergunta nada sobre essas passagens que faz o tempo todo no mundo da ação, da esfera de ação da existência material, para a da existência espiritual. Mais ainda, o resto dos outros mundos que também penetram nosso mundo pode parecer-nos como parte de algo bastante natural.
Pode-se dizer que as realidades do anjo e do mundo da formação são parte um sistema de ser "natural" que é tão regido pela lei, como aquele aspecto da existência que somos capazes de observar diretamente.
Portanto, nem a existência do anjo, nem a sua "missão", levando-o de mundo em mundo, precisam irromper na realidade da natureza, no sentido mais amplo da palavra.
O campo de ação dos anjos, o mundo da formação, é um sistema geral de essências não físicas, a maioria delas, bastante simples e consistentes em seu ser. Cada anjo tem um caráter bem definido, que se manifesta pela maneira como funciona em nosso mundo.
Por isso, dizemos que um anjo pode efetuar somente uma missão, por que a essência de um anjo está além dos aspectos múltiplos do homem.
A essência particular de um anjo pode ser determinada em termos de coisas diferentes e formas separadas, mas ela permanece uma coisa singular em si mesma, como uma simples força da natureza.
Porque apesar do anjo ser um ser que possui uma consciência divina, sua essência e função específicas não são alteradas por ela, assim como as forças físicas no mundo são específicas e únicas em seu modo de funcionamento, e não estão constantemente mudando as suas essências.
Por conseguinte, assim como há anjos sagrados, fabricados e criados pelo sistema sagrado, também há anjos destrutivos, chamados "diabos" ou "demônios", que são as emanações da relação do homem com esses aspectos da realidade que são o oposto da santidade.
Aqui, também, as ações do homem e seus modos de existência, em todas as suas formas, criam anjos, mas anjos de outro tipo, de outro nível e de uma realidade diferente.
Esses são anjos hostis que podem formar parte de um mundo inferior, ou até mesmo de um mundo superior, mais espiritual — este último, porque apesar de não pertencerem ao reino da santidade, como em todos os mundos e sistemas do ser, há uma interpenetração e influência mútua entre o sagrado e o não sagrado.
Imediatamente acima do mundo da formação está o mundo denominado o "mundo da criação" que, como os outros, inclui muitos campos de ação, níveis e mansões diferentes. E exatamente como o mundo da formação está composto de uma multidão de seres espirituais cuja essência é puro sentimento e emoção, o mundo da criação é um mundo de mente pura.
Esta qualidade mental do mundo da criação não é uma essência meramente intelectual, mas se expressa como o poder e a capacidade de captar coisas com uma compreensão autêntica, interior; é, em outras palavras, a mente como criador, assim como aquela que registra e absorve o conhecimento.
Um dos outros nomes para o mundo da criação é "mundo do trono", extraído da visão de Ezequiel do divino "trono da glória".
Não obstante, no todo, esse aspecto do Divino que é revelado aos profetas é o mundo que está diretamente acima do mundo da criação, conhecido como o "mundo da emanação".
Esta é a fonte da qual D-us se faz conhecer por alguns poucos, enquanto que o mundo da criação é Seu assento ou Seu trono, do qual, como está escrito, "a terra é o Seu escabelo". Outrossim, o Trono ou Carruagem Divina é o meio através to qual a divina abundância desce às criaturas e coisas do nosso mundo, e faz contato com os muitos sistemas complexos de todos os mundos.
De modo que o mundo da criação também é o cruzamento da existência.
É o ponto focal no qual a abundância que sobe dos mundos inferiores e a abundância que desce dos mundos superiores se encontram e entram numa espécie de relacionamento mutuo. Portanto, uma compreensão do "caminho da carruagem" — ou seja, uma compreensão da maneira como funciona o Divino Trono da Glória — é o maior credo da doutrina esotérica.
E, além deste segredo, um ser humano — até um homem de visão ou um que tenha uma revelação —, pode receber apenas impressões incertas, dessas essências, pois elas estão estruturalmente além da compreensão humana.
Porque o mundo da criação é um mundo que o homem foi capaz de atingir somente no ponto mais alto do seu desenvolvimento, demonstrando dessa forma que parte de sua alma pertence ao campo de ação especial.
Assim é para que alguém entenda o segredo da Carruagem, ele tem de estar parado no exato ponto focal da intersecção de mundos diferentes.
Nesta intersecção, ele recebe conhecimento de toda a existência e transformação, passada, presente e futura, e está consciente do Divino como causa primordial e acionadora de todas as forças que agem, vindo de todas as direções.
Obviamente, é impossível para o homem tal como ele é conseguir essa compreensão completamente; não obstante, até mesmo um discernimento parcial da carruagem lhe proporciona um sentido do que está acontecendo em todos os mundos.
No mundo da criação, também, há mansões — ou seja, lugares no sentido metafísico, esferas do ser dentro das quais há um certo ritmo medido do tempo, de uma forma ou de outra, com relação entre passado, presente e futuro, entre causa e efeito, e onde há almas e criaturas que pertencem especificamente a este mundo. Essas criaturas do mundo da criação, as almas que vivem nele, são os anjos superiores, chamados "serafins".
Como os anjos do mundo da formação, os serafins são essências abstratas singulares, não passíveis de mudança.
Mas, enquanto os anjos do mundo da formação são incorporações de emoção pura, aqueles do mundo da criação são essências de inteligência pura.
Os serafins são anjos que manifestam os níveis superiores da mente.
Também refletem as diferenças entre os diversos planos da consciência e compreensão, um aspecto particular da mente. Por último, cada uma dessas criaturas do mundo da criação também serve de anjo-mensageiro, recebendo a abundância dos seres angélicos e das almas do mundo da formação, e elevando-as até um nível mais alto, no mundo da criação e além, até alturas infinitas.
A ascendência do mundo da criação sobre o mundo da formação não é apenas uma questão da superioridade da mente e da consciência sobre as emoções; também radica no fato do mundo da criação em si ser um mundo "superior": no sentido que os diversos mundos caracterizam-se como mais altos ou mais baixos em relação ao grau de sua transparência à luz divina, que é sua própria luz e substância.
Ao descer no sistema dos mundos, a materialidade torna-se ainda maior: em outras palavras, os seres dos mundos mais baixos sentem sua existência independente com maior intensidade que os seres dos mais altos; estão mais conscientes de serem seres individuais separados.
E esta consciência de sua individualidade bloqueia a abundância divina e ao mesmo tempo obscurece a verdadeira essência imutável que está latente sob a personalidade individual.
Resumindo, quanto mais baixo o mundo, mais ele está permeado pelo sentido do "Eu", e consequentemente, mais ele está sujeito ao obscurecimento da essência divina.
Não obstante, pode-se dizer que todos os mundos — e de fato, quaisquer campos de ação do ser separados — existem somente em virtude do fato de que
D-us se esconde.
Porque quando a divina abundância é manifestada em sua plenitude total, não há espaço para a existência de nada mais.
Um mundo pode existir somente como resultado do ocultamento do seu Criador.
À medida que se desce dos mundos superiores para os inferiores, a cada novo nível de descida, a separação, a independência do mundo dele torna-se mais acentuada e enfática, enquanto que a abundância divina se torna mais oculta.
Logo, as criaturas do mundo da ação podem atingir (como de fato os homens o fazem) uma condição na qual estão não somente inconscientes da divina abundância que dá a vida, mas onde também podem chegar a repudiar sua existência totalmente.
Por outro lado, à medida que se ascende a escada do ser, os mundos tornam-se cada vez mais claros e transparentes à divina abundância.
Se no nosso mundo precisamos de uma introspecção profética ou abertura da fé para distinguir a divina abundância em toda a sua variedade de formas e em todos os seus níveis, nos mundos superiores tudo é mais lúcido e oferece menos resistência à abundância divina. De modo que estando acima dos outros dois mundos — da ação e da formação — o mundo da criação também é mais translucidamente transparente, suas criaturas têm um conhecimento mais pleno da maneira pela qual seu mundo está sendo criado constantemente como uma ou outra manifestação da abundância divina.
Ao mesmo tempo, como o mundo da criação ainda é um mundo separado, suas criaturas e almas têm suas próprias naturezas individuais. De fato, podem perceber a luz divina, e podem aceitar totalmente seu domínio em tudo.
Não obstante, ao sentirem-se separadas da sua luz, reconhecem sua existência independente. O que equivale a dizer que até o serafim anseia poderosamente aproximar-se do Divino, pois apesar de encontrar-se tão por cima do que qualquer pessoa possa captar, e apesar de ser a incorporação da compreensão e da inteligência superior, está consciente de ser uma realidade ainda desconectada do Divino. De fato, somente além do mundo da criação, no mundo da emanação, o mais alto dos mundos — que num certo sentido já não é um mundo real —, pode-se falar de uma clareza e transparência tão grandes, que nenhum ocultamento de nenhuma essência em absoluto é possível, e que consequentemente, as essências não exibem nenhuma individualidade separada.
Somente no mundo da emanação, não há ocultamento da divindade revelada por nenhuma cerca ou tela que separe as coisas.
É por isso que se pode dizer que o mundo da emanação não é mais um mundo, é D-us Ele Mesmo.
O mundo da criação, com todas as suas excelências e pureza, ainda é uma existência independente com sua própria personalidade, seu "Eu" diferenciado do ser divino.
A diferença entre o mundo da emanação e o mundo da criação, portanto, é maior que entre quaisquer outros dois níveis. É a fímbria da totalidade do sistema das existências independentes, cada uma dividida da outra por "telas", e além dela está a fonte de todo o ser, onde já não há mais dessas telas.
Uma representação arquetípica de uma "tela" é a cortina que divide o humanamente sagrado do Sagrado dos Sagrados no Templo Sagrado.
Porque o Templo Sagrado é, num certo sentido, um modelo simbólico de todo os sistemas dos mundos.
Então, uma tela é algo que age como barreira ao livre fluxo da abundância divina em toda a sua pureza; é aquilo que produz um certo obscurecimento e modificação de sua luz.
Porque sempre que a luz divina passa através de níveis de planos que são transparentes, pode haver uma alteração de cor, ou de forma, ou da qualidade da revelação, mas a luz em si continua sendo essencialmente luz.
Porém, o que acontece quando a luz bate numa tela?
Apesar da luz poder ser visualizada no lado escuro da tela como resultado de uma "iluminação" do outro lado, a luz em si não penetra.
Esta idéia de uma tela é somente uma imagem para explicar a essência das diferenças entre todas as coisas.
No mundo da emanação, na Divindade, não há tais barreiras e a unidade é completa.
Para que um mundo exista separado de D-us, precisa haver uma contração da essência superior. Esta contração de sabedoria infinita, ou remoção de abundância divina, é portanto a base para a criação do universo; e a tela — que representa o ocultamento do Divino — é a base para fazer com que os mundos se manifestem como mundos separados.
Estas são as imagens centrais da Gênese: no começo havia ocultamento e remoção — "escuridão na face da profundeza".
E dessa escuridão, resultado da existência da tela, o molde de um mundo, que será o mundo em si, pode ser gravado.
No que diz respeito ao nosso mundo — o mundo da ação — além de um mundo físico, ele também contém um mundo espiritual — de fato, um número bastante grande de mundos espirituais.
Esses mundos e suas diversas mansões variam muito — de fato, tanto, que é extremamente difícil ver alguma unidade em seu valor espiritual.
Por um lado as esferas de ação do espírito que nascem da sabedoria e da criatividade — como a filosofia, a matemática, a arte, a poesia e similares, que são moralmente ou qualitativamente neutras em suas idéias de verdade ou beleza — são fáceis de reconhecer.
Por outro lado, há campos de ação do espírito que têm um certo valor gnóstico, com um sistema de valores diferentes, e que se prestam, pois, a uma espiritualidade positiva ou negativa.
Porque assim como há espaço para funcionamento físico e espiritual de todo tipo que elevam o mundo e o homem a níveis mais altos de santidade no mundo da ação, também há aquele que estabelece contato entre o mundo dos seres humanos e os mundos inferiores ao nosso.
Esses mundos são chamados os "campos de ação do mal", os mundos da Klipah, a carcaça externa.
Os campos de ação da Klipah constituem mansões, e nelas, também, existem sistemas hierárquicos, um acima do outro (na realidade um abaixo do outro), sendo que o mal se torna mais enfático e mais óbvio a cada nível diferente.
E podemos supor que haja uma forte inter-relação com o mundo da ação. Porque apesar que em si mesmo o mundo da ação é neutro, em termos de sua implicância gnóstica, ele pertence aos mundos do mal, a um dos níveis da carcaça externa denominada Klipat Noga.
Este é um nível do ser que contém tudo que em sua essência não é dirigido para ou contra a santidade.
Então, em termos de santidade, mantém uma posição neutra.
Porém, quando o homem afunda completamente em sua posição neutra, sem desembaraçar-se em absoluto dela, ele deixa de perceber seu destino humano específico e fica destituído, no próprio núcleo do seu ser.
Abaixo da esfera de ação da Klipat Noga estão os mundos totalmente maus.
Cada um deles tem o seu próprio aspecto do mal e, como no caso dos mundos da santidade, está conectado dinamicamente com os outros, pelas ligações da transformação entre mundos e planos, num processo que continua descendo até a profundidade mais baixa do mal.
Como em todos os mundos, nas esferas de ação do mal, a manifestação assume três formas: mundo, ano e alma.
Em outras palavras, há um fundo geral da existência, agindo como lugar no sentido espiritual (mundo); há um aspecto conectado com a relação ao tempo de causalidade (ano); e do mesmo modo, eles têm um aspecto alma — ou seja, criaturas espirituais que habitam os mundos do mal.
Esses seres que habitam os mundos do mal também são chamados de "anjos", mas são anjos mais propriamente subversivos, anjos da destruição. E como os anjos dos mundos superiores, também são seres espirituais e cada um deles está limitado a uma essência bem definida e ao seu próprio fim.
Do mesmo modo que na esfera de ação da santidade há a qualidade (ou anjo) do amor-em-santidade, do temor-em-santidade, e assim por diante, também há emanações e impulsos contrastantes no campo de ação do mal, anjos da destruição que expressam amor-na-maldade, medo-na-corrupção, e assim por diante.
Alguns desses anjos perniciosos são seres autossuficientes com caracteres claramente definidos e específicos, cuja existência é, num certo sentido, eterna pelo menos até o tempo quando o mal desapareça da face da terra. Outrossim, há os anjos subversivos criados pelas ações dos homens, pela objetificação da malevolência: o pensamento ruim, o desejo inspirado pelo ódio, a má ação.
Por que além de suas conseqüências visivelmente destrutivas, todo ato de malícia ou de maldade cria um ser abstrato gnóstico, que é um anjo mau, um anjo que pertence ao plano do mal correspondente ao estado mental que o fez existir.
No entanto, em sua essência interna, as criaturas das esferas de ação do mal não são entidades independentes que vivem das suas próprias forças; sua existência depende do nosso mundo.
Isto quer dizer que recebem seu poder vital do nosso mundo, suas fontes que podem somente copiar de várias maneiras, em planos progressivamente mais baixos.
Assim como é verdade, para os mundos superiores, que é o homem e somente o homem quem é capaz de escolher e fazer o bem, assim também, somente o homem pode fazer o mal.
Seja o que for que o homem fizer, por sua vez cria e favorece uma abundância de vida; seu ser espiritual inteiro está envolvido em cada ato, e o anjo assim formado o acompanha como sua obra, como parte da existência que o rodeia.
Como os anjos da santidade, os anjos da destruição são, até um certo grau, canais para transferir a abundância que, quando é transmutada do nosso mundo, desce as escadas da corrupção, nível após nível, até as profundezas mais baixas dos mundos da abominação.
Por conseguinte, esses mundos do mal agem em conjunto com, e diretamente sobre, o homem, seja em formas naturais e concretas, ou em formas abstratas espirituais.
Portanto, os anjos subversivos também são tentadores e incitadores ao mal, porque trazem o conhecimento do mal do seu mundo, para o nosso.
E ao mesmo tempo, quanto maior for o mal que um homem fizer, maior será a força de vida que esses anjos retirarão dele para o seu mundo.
Por outro lado, esses mesmos anjos subversivos também servem como instrumento de punição do pecador.
Porque o pecador é punido pelas consequências inevitáveis dos seus atos, assim como o tzaddik ou santo recebe sua recompensa nas consequências dos seus atos benévolos.
Em resumo, o pecador é punido pelo fechamento do círculo, sendo colocado em contato com o campo de ação do mal que cria.
Os anjos subversivos são revelados numa variedade de formas, de maneiras tanto materiais quanto espirituais, e em sua revelação, eles punem o homem pelos seus pecados neste nosso mundo, fazendo sofrer tormento e dor, derrota e angústia, física e espiritualmente.
Os anjos subversivos agem num sentido como manifestações e mensageiros do mal, e em outro sentido, constituem uma parte necessária da totalidade da existência.
Porque apesar que, como nos mundos do mal em geral, os anjos subversivos não são seres ideais, mesmo assim eles têm uma função no mundo, que lhe permite funcionar como funciona.
Com certeza, se o mundo eliminasse todo o mal, completamente, então a consequência seria o desaparecimento dos anjos subversivos, porque eles existem como parasitas permanentes que vivem do homem.
Mas enquanto o homem escolher o mal, ele sustentará e alimentará mundos e mansões inteiros de mal, todos eles apoiados na mesma doença da alma humana. De fato, esses mundos e mansões do mal fomentam essas doenças e fazem parte da dor e dos sofrimentos que causam.
Neste sentido, a própria origem dos demônios está condicionada pelos fatores que influenciam - como uma força policial cuja existência é útil e necessária somente devido à existência do crime.
A implicação espiritual dos anjos subversivos constitui, além de sua função negativa, uma estrutura destinada a impedir que o mundo deslize para o mal.
No entanto, o fato que persiste é que esses anjos crescem em resistência e poder, constantemente reforçados pelo aumento do mal no mundo.
Portanto, sua existência é bilateral e ambígua: por um lado, a razão principal de sua criação é servir como impedimento e como limite (e neste sentido são partes necessárias do sistema global dos mundos); por outro lado, à medida que o mal floresce e se espalha pelo mundo devido às ações do homem, esses anjos destrutivos tornam-se existências cada vez mais independentes, formando um campo de ação inteiro que se alimenta do mal e engorda dele.
Então a própria razão de ser deste campo de ação é esquecida, e parece que se tornou mal como um fim em si mesmo.
Nesse ponto do paradoxo, a vastidão e a meta magnífica da finalidade e do significado do ser humano tornam-se evidentes.
Vemos que o homem pode liberar-se da tentação acumulada do mal, ato pelo qual ele obriga os mundos do mal a encolherem até o seu molde original; mais ainda, ele é capaz de mudar esses mundos completamente, para que possam ser incluídos no sistema dos mundos do sagrado, o que acontece quando essa parte deles que tinha se tornado corrupta desaparece completamente, e essa parte deles que tinha servido de apoio e impedimento assume um caráter totalmente diferente.
Não obstante, enquanto o mundo permanecer como está, os anjos subversivos continuarão a existir dentro da própria substância do mundo da ação, e até em domínios superiores, achando um lugar para si onde houver alguma inclinação para o mal.
Mas isso acontece porque eles mesmos instigam e evocam a produção do mal.
Assim, eles recebem sua vida e poder como resultado de algo que provocaram; e depois, finalmente, pela sua própria existência, constituem um castigo para as coisas que ajudaram a produzir.
Os mundos e as mansões do mal pertencem, neste sentido, à estrutura geral do mundo da ação, e um dos seus aspectos mais extremos é a mansão chamada "Inferno", em todas as suas formas.
Porque quando a alma do homem deixa o corpo e pode relacionar-se diretamente com as essências espirituais, assim tornando-se totalmente espiritual, com nada mais que lembranças fragmentadas de ter estado conectada com o corpo, então, no decorrer das coisas, tudo o que esta alma tinha feito na vida funde-se em sua forma correta ao nível adequado para ela, na vida após a morte.
E, assim a alma do pecador desce, como se expressa simbolicamente, ao Inferno. Em outras palavras, agora a alma esta completamente dentro do campo de ação do mundo desses anjos subversivos que criou, como pecadora e não há refúgio deles, porque essas criaturas rodeiam a alma completamente e ficam constantemente castigando-a com castigo pleno e exigente por havê-las produzido, por haver causado a existência desses mesmos anjos.
E enquanto a justa medida da angústia não tiver sido esgotada, esta alma permanece no Inferno.
O que equivale a dizer, que a alma não é castigada por algo alheio, mas por essa manifestação do mal em si mesma, criada de acordo com seu nível e de acordo com sua essência.
Somente após ter passado através da doença, do sofrimento e dor da existência espiritual do mal produzida por ela mesma, somente então a alma pode atingir o nível mais alto do ser, de acordo com seu estado correto e de acordo com a essência do bem que criou.
Uma vez que este campo de ação dos mundos do mal também é fundamentalmente introvertido e espiritual, ele é revelado somente mediante uma visão de algum tipo. E, portanto, as muitas descrições antropomórficas dos anjos subversivos não são diferentes da descrição dos anjos sagrados, em sua crueza e suas aproximações desajeitadas.
Porque ela não foi dada para transmitir algo que não se preste à descrição material, e as imagens usadas são invariavelmente inadequadas.
Continua...
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