"O espelho pode ser um orientador em vez de um juiz implacável. Para isso, você tem que se estimar mais. Como? Bem, primeiro é preciso se libertar dos padrões coletivos que definem um corpo ideal. Depois, vá de novo para o espelho com um olhar amigável, daquele tipo que valoriza o que se tem de melhor.
Texto: Chantal Brissac
Na pausa rápida do sinal de trânsito, a moça estica o pescoço pa ra se ver no retrovisor do carro e faz careta. Confere o estado da pele e dos cabelos e volta sua atenção para o volante, mais séria do que estava. Antes de sair para a faculdade, diante do guarda-roupa, a estudante paralisa. “Por que nada fica bem em mim?”, parece traduzir a expressão de seu rosto. No provador da loja, uma mulher apalpa as próprias curvas com uma indisfarçável reprovação.
Três exemplos de uma legião de brasileiras insatisfeitas com o próprio corpo. Segundo pesquisa da Dove (uma fábrica de cosméticos que investigou 3,3 mil mulheres em dez países), no Brasil, 89% das mulheres entre 18 e 29 anos querem mudar algum aspecto de sua aparência e 63% daquelas entre 15 e 64 anos consideram a hipótese de fazer uma plástica.
Estamos entre as que mais recorrem a esse método e consomem remédios para emagrecer no mundo. A visão que temos de nós mesmas anda em baixa, atestam os especialistas. Não somos parceiras de nosso corpo, mas juízas implacáveis da aparência. Nós nos identificamos com uma etiqueta: a do tamanho, que na maioria dos casos não pode ultrapassar 38 ou 40 sob a pena de deflagrar culpa e vergonha. Tentamos encaixar o corpo num molde a qualquer custo quando, na verdade, é o movimento inverso que nos libertará.
Aqui, o corpo perfeito entra em pauta e traz consigo uma pergunta essencial: não seria essa idéia uma armadilha? O psicanalista Luiz Tenório Oliveira Lima ensaia sua resposta: “Existe o corpo de cada um, único e próprio. É ele que deve ser amado e cuidado. Não há nada de mal em querer ficar bonita. Ao contrário, é sinal de auto-estima e equilíbrio emocional”.
Porém, segundo o psicanalista, o problema surge quando perseguimos um padrão sem considerar o biotipo de cada pessoa. Veja as brasileiras: historicamente, elas não são altas, nem magras, nem loiras, mas almejam isso como sinônimo de beleza sem nem tentar descobrir seus próprios atributos. E há também a questão da idade e do mito que só o jovem é belo.
ESSA TAL DE AUTO-ESTIMA
Como já disse o filósofo francês Michel de Montaigne, no século 16: “A pior desgraça para nós é desdenhar aquilo que somos”. E a ciência do século 21 já está atestando isso. A auto-estima é comparada ao sistema imunológico emocional. Funciona como uma vacina na alma, proporcionando mais energia, motivação, autoconfiança e iniciativa, atributos necessários para enfrentar desafios e frustrações. Gostar de si é importante para a personalidade – é o núcleo criativo do qual parte a inspiração para tocar a vida com alegria e produzir um ser belo. “As pessoas acham que a beleza traz felicidade, mas é exatamente o contrário. É a felicidade que traz beleza. Mulheres satisfeitas em diferentes esferas de sua vida são mais indulgentes na avaliação da aparência. Levam em consideração fatores como simpatia, humor, comunicação, cultura e educação como componentes da beleza”, enfatiza o psicólogo clínico Marco Antonio de Tommaso.
A CULTURA E O CORPO
Autora do recém-lançado O Corpo como Capital (ed. Estação das Letras), a antropóloga Mirian Goldenberg acredita que as brasileiras devem ter um olhar combativo quanto à imposição de magreza e juventude. Em pesquisas pela Europa, Mirian constata que em vários países os 50 anos são o auge da vida. “Aqui é como se chegássemos a uma aposentadoria afetiva, sexual. É quando começamos todos os processos de compensação para não aparentar a idade”, observa, em tom de bom humor.
Aliás, para Mirian, o bom humor pode ajudar a mulher a transitar por todas as fases sem sofrer. Ela própria, risonha, é um exemplo, em seus 50 anos: “Se tivesse embarcado na fantasia de parecer dez anos mais jovem, teria uma vida pior.
Gosto de me manter bonita, mas aceito minha idade, minhas rugas como história de vida”. Em outro livro, Infiel (ed. Record), que fala sobre as questões amorosas no século 21, Mirian discute a obrigação de parar o tempo e conta como algumas mulheres se sentem desviantes quando optam por não fazer plástica ou aplicar Botox. Outras mudam tanto seu corpo que não se reconhecem. A maior angústia é esta: modificar o que está por fora com a ilusão de que algo interno mude. A dor vem quando isso não acontece.
O QUE DIZ O ESPELHO?
As americanas Lynn Ginsburg e Mary Taylor propuseram um bom exercício para entender o espelho no livro Do Que Você Tem Fome? (ed. Cultrix). Ele é dividido em duas partes. Experimente e se veja com menos severidade.
Primeira parte
• Diante de um espelho grande, olhe objetivamente para sua imagem.
• Ao notar que a mente se dispersou e você já não está olhando com atenção o reflexo, afaste-se.
• No diário, descreva como se viu: curvas cheias, braços rechonchudos, cabelos ressecados etc. Anote também todos os pensamentos, sentimentos e sensações que a contemplação provocou.
• Registre até as conclusões negativas.
• Anote também a parte do corpo que observou primeiro: quadris, rugas...
• Nos dias seguintes, repita a prática.
Segunda parte
• Pense na parte do corpo que costuma primeiro observar no espelho. Considere até que ponto algumas insatisfações viram conclusões sobre o todo de sua personalidade.
• Decida não olhar as partes de seu corpo que costuma fixar primeiro. Escolha uma parte que lhe é indiferente ou de que goste e observe-a no espelho.
• Aos poucos, amplie o olhar a fim de abranger uma parte maior do corpo.
Isso cessa seu autojulgamento?
Conclusão: você perceberá que o que vê muda dia a dia e até de hora em hora. O corpo é o mesmo – mas seu humor, estado físico ou um cumprimento que recebeu podem alterar sua percepção. Quando a lucidez nublar, olhe-se nos olhos e reponha o foco em quem você é.
Sobre isso, Tenório joga nova luz: “A mulher deve respeitar sua época, sua história, suas experiências. Hoje é bem comum mãe e filha se vestirem de forma parecida. A moda permite. A juventude foi ampliada, a longevidade é maior. Mas é preciso tomar cuidado, pois as defasagens existem. Uma mulher de 50 anos pode ficar estranha de minissaia ou top. Digo que a mulher deve ser contemporânea de si própria”.
CAMINHAR É PRECISO
Você tem a máquina mais fabulosa e moderna para se exercitar: suas pernas. Caminhar trabalha os grandes grupos musculares do corpo, aumenta a freqüência cardíaca, queima calorias e regula sua pressão arterial – tudo com um terço do impacto que uma corrida teria em você. Por isso, quem caminha com regularidade costuma dormir melhor, se alimentar de forma equilibrada, ter mais disposição e auto-apreço. “Andar é o melhor exercício para pessoas de qualquer idade. Para as mulheres, é fabuloso, pois previne a osteoporose, evita as varizes, favorece a boa circulação do sangue e equilibra os hormônios”, pontua o médico Drauzio Varella. Bastam 30 minutos por dia, quatro ou cinco vezes por semana, em ritmo moderado. Para se animar, apresentamos três bons motivos para investir nesse hábito.
1. PARA ENTRAR EM FORMA
Como fazer: ande o mais rápido que puder, mas sem perder o ritmo e o prazer. A cada caminhada, vá aumentando a passada aos poucos.
Dica: caminhe com um objetivo – como se você tivesse realmente um compromisso a que não pode faltar. Aumente o percurso de uma das caminhadas semanais. Se você caminha três vezes por semana durante 30 minutos, faça um desses circuitos maior, de 60 minutos, por exemplo.
2. PARA RELAXAR
Uma caminhada breve tem o dom de esfriar a cabeça e relaxa como tai chi chuan, ioga e meditação. Ótimo antes de uma reunião importante, depois de um dia cansativo ou quando precisa desacelerar.
Como fazer: encontre um lugar tranqüilo. Andar numa trilha perto da natureza tem um efeito mais relaxante do que caminhar em ruas movimentadas.
Dica: não acelere. Esse não é o mote. E fique atenta à postura: corpo ereto e relaxado, abdômen firme e encaixado, pélvis ajustada, evitando a projeção do estômago e a inclinação dos ombros. Não force os joelhos com passadas muito largas. Mantenha os braços para baixo, levemente dobrados. O balanço durante a caminhada deve ser natural e suave.
3. PARA SE INSPIRAR
Ao andar, costumamos estimular partes do cérebro nos hemisférios esquerdo e direito, muito mais do que quando sentadas.
Como fazer: use uma roupa confortável e não carregue nada consigo, se possível. Uma boa idéia é deixar o iPod em casa. Isso ajuda a focar o que é preciso: a paisagem, a respiração, o que você vê a sua volta.
Dica: mantenha um ritmo gostoso e confortável, visualize imagens positivas e dê tempo ao tempo. Ao menos 15 minutos de caminhada para que a mente seja recompensada com turbilhões criativos.
A MÃE E O CORPO (DA FILHA)
A auto-imagem decorre bastante da relação com a família na primeira infância. Se a menina recebe afeto – sente que é admirada e valorizada –, tenderá a gostar de si mesma e aceitar seu corpo como é. “Assim que ela começa a crescer e passa a se descobrir como um ser feminino, seu modelo mais direto é a mãe”, explica a escritora Vera Golik, que irá lançar ainda este ano o livro 101 Idéias para Sua Filha Amar o Corpo Dela (ed. Jaboticaba). Quando as mães conseguem ter um diálogo franco e aberto sobre as questões do corpo, respeitando as várias fases pelas quais a filha passa, as chances de a menina compreender melhor suas transformações e valorizar sua imagem são maiores. As frustrações vão fazer parte da vida e do processo de crescimento. “Acompanhar esses momentos junto com a filha, compreendendo seus sentimentos e, ao mesmo tempo, abrindo os horizontes dela para um mundo muito maior do que o físico, pode ser uma grande oportunidade para a mãe também resolver velhas feridas e frustrações”, diz ela.
Os sete mais
A lista de alimentos já consagrados pelas ciências da nutrição é grande. Vai de salmão, atum e iogurte a linhaça e quinoa, por exemplo. Aqui, listamos outros sete itens, que são considerados básicos à dieta.
1. AZEITE: tem o dom de proteger o coração e contribuir para a diminuição dos níveis de colesterol.
2. ALHO: poderoso antibiótico natural, colabora para reduzir os níveis de colesterol e de triglicérides, regula a pressão arterial e previne doenças cardiovasculares, câncer e infecções.
3. BRÓCOLIS: rico em fibras vegetais, antioxidantes e ácido fólico, pertence à família das crucíferas (como a couve, o repolho e a couve-flor). Esse grupo é essencial para a prevenção de diversas doenças, incluindo o câncer.
4. CEBOLA: é um diurético natural que diminui os níveis de colesterol e cura as infecções urinárias. Faz baixar os níveis de açúcar no sangue, alivia as constipações e é indispensável na culinária.
5. LIMÃO: antibiótico natural, é eficaz contra os fungos e vírus e muito rico em vitamina C. Age como um diurético e depurador do metabolismo.
6. MAÇÃ: há quem a recomende diariamente, como uma forma de manter a saúde geral do organismo. Pura verdade. Essa fruta, rica em pectinas e fibras vegetais, ajuda a prevenir doenças cardiovasculares e diminuir o apetite entre as refeições.
7. NOZES: cinco por dia contribuem para prevenir problemas cardiovasculares. Além disso, elas contêm ferro, magnésio, zinco, vitamina E e gorduras insaturadas.
A cada momento
Filósofa e fundadora do Laboratório do Processo Formativo, Regina Favre é uma entusiasmada pesquisadora da forma. Para ela, o corpo é um processo contínuo.
BONS FLUIDOS – Quando a concepção do corpo começou a mudar?
REGINA FAVRE – Acredito que os saberes corporais e as práticas como as concebemos hoje estão enraizados na Europa, em meados do século 19. A mudança da produção artesanal para a produção industrial remodelou as tradições culturais e artísticas, as concepções sobre forma e linguagem, valores, aparência das cidades, casas, seus interiores, exigindo das pessoas um novo uso de seu corpo para produzir e incorporar essas realidades.
BF – Você fala que Darwin promoveu a maior revolução na auto-imagem do homem desde o início da história. Por quê?
RF – Porque, com sua teoria evolutiva, ele removeu o Criador da cena e apresentou os homens à sua animalidade e capacidade adaptativa, permitindo a cada pessoa ver em seu corpo a continuidade do corpo de seus parentes animais.
BF – Como é o corpo no mundo globalizado?
RF – Hoje, o desafio para o corpo é suportar a velocidade das transformações e da informação. O capitalismo se alimenta da constante transmissão de imagens de violência, exclusão social, sofrimento, por um lado, nos noticiários, e, por outro, com vidas felizes, acima das ameaças, na propaganda. Os corpos respondem a tudo isso com pânico, enquanto a publicidade oferece o que garantiria uma sensação de estabilidade, que, porém, a gente já sabe, é fugaz. Logo essa sensação passa e voltamos a buscar mais. Outra coisa é a for ma da vez: as fast forms que vão surgindo como produtos na prateleira.
BF – O que são fast forms?
RF – São formas de existir, prontas, compráveis e rapidamente descartáveis como a fast food. Alguém vai à academia e diz que corpo deseja ter. Essas fast forms têm a característica de alimentar nossa falta de auto-referência e nosso desamparo, nos tornando dependentes de seu consumo em busca de alívio dessa angústia existencial.
BF – Como reverter a situação?
RF – Buscando um contato profundo com o corpo a cada momento. O que estou fazendo aqui e agora, o que estou sentindo, quem e como estou sendo? O corpo não é só uma máquina de viver, mas é ação, comportamento, sentimento, conhecimento. Parar e questionar a respeito disso nos permite escolher modos de ser mais ancorados no autoconhecimento. E isso o corpo traduz.
O resgate da mulher selvagem
Autora do livro Mulheres Que Correm com Lobos (ed. Rocco), a psicóloga norte-americana Clarissa Pinkola Estés acha que a mulher em geral não tem noção do grande poder de seu corpo, que ela compara a um violino Stradivarius.
BONS FLUIDOS – Hoje como está a relação das mulheres com o próprio corpo?
CLARISSA – Melhor do que no século 20. A oportunidade de a mulher de qualquer idade ter uma relação sadia com o seu precioso corpo selvagem é maior. Ainda assim, as imagens sobre como ela deve esculpir o corpo – ou a aparência – para agradar aos outros proliferam em cada esquina. São imagens sem vida, sem brilho. A mulher não é um produto criado para render dinheiro ou prazer para os outros. Não é uma atração de circo. É uma alma que tem um corpo. Cada mulher tem um corpo livre, saudável, vital e selvagem.
BF – O que as mulheres podem fazer para manter o corpo vital e selvagem?
C – É missão das mais velhas ensinar às mais jovens a desenvolver uma relação com o próprio corpo centrada no espírito e não na moda, na mania de uma época. Elas precisam ter consciência desse poder. Muitas vêm ensaiando musiquinhas em um instrumento que tem a potência de um Stradivarius. As mais velhas devem mostrar às jovens quão alto é o custo de se manterem imaturas e inconscientes nessa área, preferindo a musiquinha barata, em vez do grande concerto.
BF – Qual é o poder do corpo?
C – O corpo não é uma peça de madeira a ser esculpida e exibida. Ele é o mais precioso parceiro que alguém pode ter na Terra. É ele que nos diz quando está quente demais, frio demais, quando precisamos nos alimentar, descansar. É ele que nos mostra como amar, melhorar a qualidade de vida com mais emoções.
Ele nos carrega, nos ajuda, faz o que um empregado fiel faria a seu mais amado patrão. Ele tenta fazer tudo até mesmo quando está machucado ou com dor. Pense sobre como é ter um amigo, um conselheiro, um namorado como ele. Leal, até quando está ferido. O corpo se esforça sempre a nosso favor. Ele precisa ser bem tratado, como um tesouro. E ele diz respeito unicamente a cada pessoa, a cada mulher. A cultura não tem nada a ver com isso. Ela é que tenta há muito esculpir, afinar, modificar os corpos, cometendo as extravagâncias e deformações. A cultura não se preocupa com a profundidade e o senso do corpo.
BF – Como descobrir esse corpo?
C – Se a mulher vê o próprio corpo como um produto a ser julgado em um concurso, qual é a vantagem? Alguns olhares de aprovação? Pense como os amantes se tratam mutuamente. Esse é o sentido do corpo, do generoso e fantástico corpo. Uma das mulheres mais lindas que eu já conheci é Carla Tansi, minha editora no grupo italiano Frassenelli por muitos anos.
O que é a voz que Deus deu a ela? Sim, uma voz magnífica. O seu jeito de vestir, simples e transado? Ok, mas eu quase não me lembro das roupas dela porque, mais forte do que isso, era seu jeito de andar, sentar e viver com seu próprio corpo. Uma mulher feminina, vigorosa, transbordante de energia. O corpo dela era perfeito? Eu nunca a medi com a fita métrica. Talvez fosse um pouco mais curto, largo, longo ou estreito no que se refere à proporção. E daí? Ela era como o mais fresco gelo colhido no topo da montanha e trazido para o verão mais escaldante. Ela estava DENTRO de seu corpo e irradiava essa energia para cada parte de si mesma.
BF – Como se conectar com os instintos e se apropriar desse poder?
C – Em primeiro lugar, é uma escolha pessoal para a mulher se conectar com seu instinto e sua vitalidade, em vez de seguir os padrões. E essa é uma matéria de estudo em nível espiritual, mais ligado à alma. A natureza criativa e selvagem da mulher não é assunto da cultura, da indústria da moda. Ela é da alçada de quem, a despeito de todas as pressões e seduções da chamada indústria da aparência, deseja viver de forma mais espiritual.
BF – A alma está no corpo ou é o corpo que está na alma?
C – Eu diria que a alma é uma poderosíssima rede de radiofusão no centro do corpo e, ainda assim, é mais ampla, maior e mais profunda do que o próprio corpo, pois também pode se difundir para fora dele.
História do corpo feminino
Texto: Chantal Brissac
Ao desembarcar no Brasil, na então chamada Terra de Santa Cruz, os portugueses impressionaram-se com a beleza de nossas índias. A Pero Vaz de Caminha não passaram despercebidas as “moças bem moças e bem gentis, com corpos limpos, gordos e formosos”. “Desde a carta de Caminha, o corpo forte, coberto de carnes, os cabelos escuros e lisos eram signos de beleza”, observa a historiadora Mary Del Priore, professora do Departamento de História da Universidade de São Paulo e autora de “Corpo a Corpo com a Mulher” (Ed. Senac).
No século 19, os corpos cheios continuam em alta. A abundância de carnes significava prosperidade e fertilidade, ao contrário da magreza, sinal de doença e pobreza. Mas é no final desse século que começa o que Mary Del Priore chama de “higienismo” no Brasil, por influência européia, com um desejo de branqueamento da população. “Aparece o modelo da mulher magra, ágil e mais branca; entram as bonecas louras no mercado”, diz. Isso continua crescendo a partir de então, mas a “pá de cal” é a Barbie, que surge no século 20 e vira modelo de beleza até para um país mestiço como o nosso.
“Diferentemente de nossas avós, não nos preocupamos mais em salvar nossas almas, mas sim em salvar nossos corpos da desgraça de rejeição social. Nosso tormento não é o fogo do inferno, mas a balança e o espelho”, explica Mary. Segundo a historiadora, a brasileira perdeu a conexão com o seu passado mestiço e luta para ser enquadrada no padrão europeu. Daí o exagerado consumo de tintura loira (é a cor campeã de vendas no Brasil) e cirurgias plásticas, que destroem a sua verdadeira identidade. “O ideal para a brasileira é respeitar a sua história corporal e ser feliz como é, em qualquer idade. Não há prisão mais violenta do que aquela que não nos permite mudar”, conclui.
Fotos: Ana Lucia Mariz
Reportagem Fotográfica: Sabrina Gimenez
*Matéria publicada pela revista “Bons Fluidos” - Novembro de 2007
http://bonsfluidos.abril.com.br/
Pesquisado por Dharma Dhannyael
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