18 maio, 2011

CONVERSA DE PRETO-VELHO -- FERNANDO SEPE





À noite, quando a maioria das pessoas está dormindo, diversas falanges

espirituais se desdobram em trabalhos socorristas de assistência à humanidade

encarnada. Devido ao sono, a queda natural do metabolismo e das ondas cerebrais,

o corpo espiritual desprende-se naturalmente do corpo físico. Aproveitando-se

desse fato natural e inerente a todo ser humano, muitos amigos espirituais

trabalham nessa hora da noite, retirando essas pessoas do seu corpo físico,

dando um toque sensato a elas diretamente em espírito, ou mesmo, simplesmente

trabalhando as energias do assistido, com mais liberdade, a partir do plano

espiritual da vida.



Um dia desses, durante um trabalho de assistência, estava conversando com um

preto-velho, que responde, nas lidas de Umbanda, pelo nome de pai José da Guiné.

Segue o diálogo:



_ Pai José, esse trabalho de assistência na madrugada é enorme não? O médium

umbandista muitas vezes nem imagina o tamanho dele, não é mesmo?



_É sim fio. Trabalho grande, toda noite. Mas são poucos que lembram da

espiritualidade dia-dia e mantém sintonia elevada antes de dormir. Isso acaba

por barrar as possibilidades de trabalho em conjunto conosco, você sabe disso. A

maioria dos médiuns por aí, pensam que o único dia de trabalho espiritual é o

dia de trabalho no terreiro. É uma pena.



_ É verdade, as pessoas tendem a se preparar muito para o dia de trabalho no

terreiro, mas esquecem dos outros dias.



_ Preparar? Muitas vezes eles nem se preparam fio. A maioria chega lá cheia de

problemas e preocupações na cabeça. Dá um trabalhão danado acoplar na aura toda

encardida de pensamentos e sentimentos estranhos deles. E nego num tá falando

que preparação é tomar um banho de erva antes do trabalho, não...



_ Ué, mas o banho de erva é importante, não é pai?



_É, claro que é. Mas num é tudo. Antes do banho de erva, seria melhor um banho

de bom-humor, com folhas de tranqüilidade e flores de simplicidade, hehehe...

Isso sim ajudaria. Num adianta colocar roupa branca, defumar, tomar banho, se o

coração tá sujo, se a boca maldiz, se o rosto está sem alegria e o espírito

apagado. Limpeza interna fio, antes de limpeza externa...



_ Tá certo...



_ Tá certo, mas você muitas vezes num faz isso né? Hehehe... Tudo bem, todo

mundo tem lá seus dias ruins, o problema é quando isso se torna constante. Fio,

a Umbanda é muito rica em rituais, em expressões exteriores de alegria e culto a

divindade. Mas isso deve ser utilizado sempre como uma forma de exteriorizar o

que de melhor trazemos dentro de nós. Não uma fuga do que carregamos aqui

dentro. Volta seus olhos pra dentro e lá presta culto aos Orixás. Só depois

disso, canta, dança...



_ Quando estiver participando de um trabalho, esteja por inteiro, em corpo

físico, coração e mente. Não faça das reuniões espirituais um encontro social.

Antes de começar os trabalhos, medita, ora, entra em sintonia com o trabalho que

já está acontecendo. Durante os cantos, busca a sintonia com os Orixás. Nesse

momento, você e Eles não estão separados pela ilusão da matéria. Tão juntos. Em

espírito e verdade...



_ Acompanha as batidas do atabaque e faz elas vibrarem em todo seu ser. Defuma

seu corpo, mas defuma também sua alma, queimando naquela brasa seu ego, sua

vaidade, seu individualismo, que lhe cega os sentidos.



_ Trabalha, aprende, louva, cresce meu fio. Mas o mais importante: Leva isso

pra fora do terreiro! Lá dentro, todo mundo é filho de pemba, todo mundo tá de

branco, todo mundo ama os Orixás...



_Mas aqui fora, logo na primeira dificuldade, duvidam e esquecem dos

ensinamentos lá recebidos. Aqui fora, num tem caridade, fraternidade, Orixá,

espiritualidade. Mas a Lei de Umbanda não é pra ficar contida no terreiro. A Lei

de Umbanda é pra estar presente em cada ato nosso. Em cada palavra, em cada

expressão de nosso ser...



_Percebe fio? Você é médium o tempo todo, não só no dia de trabalho, mas todo

dia. Você é médium até quando tá dormindo...hehehe



Pai José fez uma pausa e eu fiquei a pensar a respeito da responsabilidade do

trabalho mediúnico. De quantos médiuns por aí nem tinham idéia do trabalho

espiritual que as muitas correntes de Umbanda desenvolvem. De como, a vivência

de terreiro, demandava uma mudança interior, uma postura diferente em relação à

vida. Enquanto pensava a respeito, pai José disse:



_ É por aí mesmo fio. A partir do momento que a pessoa internaliza os valores

espirituais, um novo mundo, cheio de novas perspectivas surge. Novas idéias,

novos ideais. Uma forma diferente de encarar a vida. Esse é o resultado do

trabalho. A caridade não é mais uma obrigação, mas torna-se natural e inerente

ao próprio ser, assim como a respiração. A sintonia acontece esteja onde ele

estiver, carregando consigo a Lei da Sagrada Umbanda em seu coração...



_ Lembre-se: Aruanda não é um lugar! Aruanda é um estado de espírito... Você a

carrega para onde for. Isso é trabalho. Isso é sacerdócio. Isso é viver buscando

a espiritualização...



_ Por isso, meu fio, faz de cada trabalho espiritual que você participar um

passo em direção a esse caminho. Um passo em direção a unidade com o Orixá. Cada

reunião, um passo... Sempre!



Notas do médium: Pai José de Guiné é um espírito que há muito tempo eu

conheço, trabalhador incansável nas lidas da cura espiritual. Apresenta-se como

um negro, com cerca de 50 anos, sempre com seu chapéu de palha a cobrir-lhe a

cabeça e seu olhar firme e determinado. Tem um jeito muito direto e reto de

falar as coisas, sempre nos alertando a respeito de posturas incompatíveis com o

trabalho espiritual. É um espírito muito bondoso, com quem já aprendi muitas

coisas. Fica aí o toque dele, que muito me serviu, a respeito de levar o

terreiro para o nosso dia-dia.





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"Não há pessoa no mundo q saiba ou q possa compreender o q já fiz em minha vida. E não há pessoa no planeta q possa fazer como eu fiz. (Gilles de Rais)"



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