Uma vez fiz ao Rebbe a pergunta mais comum sobre a fé: por que acontecem coisas ruins com pessoas boas? Ela já fora respondida milhares de vezes, de modos incontáveis - em livros, em sermões, em sites da internet, em abraços lacrimosos. O Senhor a queria com ele... Ele morreu fazendo o que amava... Ela foi um presente... Isso é um teste...
Lembro-me de um amigo da família cujo filho teve um terrível problema de saúde. Depois disso, em qualquer cerimônia religiosa - até num casamento -, eu via o sujeito no corredor, recusando-se a participar do culto.
- Simplesmente não consigo mais ouvir isso - ele dizia. Sua fé se perdera.
Quando perguntei ao Rebbe por que acontecem coisas ruins com pessoas boas, ele não deu nenhuma das respostas-padrão.
- Ninguém sabe - disse baixinho.
Fiquei admirado. Mas, quando perguntei se isso abalava sua crença em Deus, ele foi firme.
- Não posso hesitar - disse.
É.
- E então eu poderia explicar por que minhas orações não foram atendidas.
Certo.
Ele me observou atentamente. Respirou fundo.
- Uma vez tive um médico que era ateu. Já falei sobre ele?
Não.
- Esse médico gostava de me provocar e de alfinetar as minhas crenças. Costumava marcar as consultas deliberadamente aos sábados, para eu ter de ligar para a recepcionista e explicar por que, devido à minha religião, não seria possível ir.(*)
Sujeito legal, eu disse.
- De qualquer modo, um dia li no jornal que o irmão dele tinha morrido. Então telefonei para dar os pêsames.
Apesar do modo que ele o tratava?
- No meu trabalho - disse o Rebbe - não existe retaliação.
Ri.
- Quando ele me recebeu, percebi que estava abalado. Falei que lamentava sua perda. E ele disse, com raiva no rosto: "Invejo você".
"Por que me inveja" - perguntei.
"'Porque, quando você perde alguém que ama, pode xingar Deus. Pode gritar. Pode culpá-lo. Pode exigir saber o motivo. Mas eu não acredito em Deus. Sou um médico! E não pude ajudar meu irmão.'
"Ele estava a beira das lágrimas. 'Quem eu vou culpar?', ficava me eprguntando. Não existe Deus. Só posso culpar a mim mesmo'".
O rosto do Rebbe ficou tenso, como se sentisse dor.
- Essa é uma autocondenação terrível - disse baixinho.
Pior do que uma oração não atendida? - perguntei.
_ Ah sim. É muito mais reconfortante pensar que Deus ouviu e negou do que achar não existe ninguém lá.
(Extraído do Livro Tenha Um Pouco de Fé - de Mitch Albom - jornalista americano - que conta a história real de um judeu rabino. (*)Rebbe, como judeu tradicional, guarda os sábados que são dedicados a Deus, não praticando qualquer outra atividade)
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